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Notas da Intervenção de João Rodrigues, na sessão pública da candidatura de João Ferreira, em Coimbra, sobre "Soberania, Produção e Desenvolvimento".

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Esta sessão ocorre no contexto das eleições presidenciais, onde João Ferreira se tem já destacado como o candidato que, de forma mais persistente e clara, tem valorizado o acervo intensamente democrático, nos interligados planos político, económico, social ou ambiental, ainda contido na Constituição da República Portuguesa (CRP). João Ferreira tem denunciado vigorosamente, desde a sua declaração inicial, “o conflito entre o carácter progressista e avançado do regime constitucionalmente consagrado e a ação deliberada de sucessivos governos com vista à sua amputação e desfiguramento”. Esta ação deliberada contou com a cumplicidade de vários Presidentes da República, os mesmos que juraram cumprir e fazer cumprir a CRP.

A desvalorização do trabalho, dos salários baixos à precariedade, as desigualdades socioeconómicas cavadas, a austeridade, que levou o investimento e o emprego públicos para os níveis mais baixos da UE e gerou um desemprego persistente, as privatizações ruinosas ou a aplicação à ineficiente banca privada do princípio segundo o qual os cidadãos pagam os desmandos, mas não mandam, são exemplos das consequências gravosas que advêm da “submissão do país”, ao arrepio dos valores da soberania popular plasmados na CRP, “às decisões e políticas da UE”, particularmente gravosas no quadro do euro e do mercado único. A candidatura de João Ferreira é a única que liga estas pontas de outra forma soltas numa análise consistente. Uma análise que nos dá pistas para compreender como emergiu, na sombra da troika, um modelo económico assente num muito pouco produtivo nexo finança-imobiliário-turismo que a crise pandémica revelou ter colocado o país perante vulnerabilidades acrescidas, por comparação com países que não descuraram um tecido industrial mais enraizado, produtivo e diversificado.

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Estamos em Coimbra, uma cidade que ilustra as contradições do nosso país: por um lado, graças às forças engendradas por Abril, foi aqui possível desenvolver um polo público de saúde, educação e ciência, capaz de servir as necessidades das populações e de ser motor potencial de desenvolvimento; por outro lado, Coimbra carrega as cicatrizes de um desastroso processo de desindustrialização e este não pode ser desligado da forma como sucessivos governos abdicaram de instrumentos de política de desenvolvimento no quadro de um processo de integração supranacional crescentemente contrário aos interesses do sujeito coletivo onde reside a soberania: o povo português.

Neste contexto, João Ferreira tem assinalado a necessidade do país se libertar da herança da troika e de políticas na sua esteira, por exemplo na área das relações laborais, centro de uma estratégia de desenvolvimento assente na valorização do trabalho. Não há de facto desenvolvimento das forças produtivas que não tenha de ser acompanhado de alterações progressistas nas relações sociais de produção. Caso contrário, torna-se difícil humanizar circunstâncias e desenvolver potencialidades e liberdades individuais e coletivas, a essência do desenvolvimento.

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Uma vez mais a CRP dá-nos pistas interessantes para um projeto que pode ser acalentado também a partir da Presidência da República: a ideia constitucional da coexistência de três regimes de propriedade dos meios de produção, público, privado e cooperativo, no quadro de uma economia mista que pode e deve ser estrategicamente planeada, permite vislumbrar um processo de reconstrução de um sector público robusto, que controle nacionalmente áreas estratégicas para o desenvolvimento do país, permitindo guiar o sector privado, uma rede vasta de pequenas e médias empresas, para as áreas de bens ditos transacionáveis, em particular na agricultura e indústria com capacidade de substituir algumas das nossas importações; a ideia constitucional de um sector financeiro ao serviço do desenvolvimento permite-nos vislumbrar um polo bancário público dominante, capaz de dirigir o bem público que é o crédito para uma reindustrialização ambientalmente sustentável, a que aposta, por exemplo, em produzir as componentes das energias renováveis ou os comboios de que o país precisa para expandir a sua rede ferroviária pública; a exigência constitucional de uma política de pleno emprego permite-nos vislumbrar um espaço soberano dotado dos instrumentos de política económica entretanto perdidos e sem os quais este objetivo é uma quimera; a exigência constitucional da redução das desigualdades socioeconómicas e territoriais permite-nos vislumbrar uma comunidade de prosperidade partilhada.

Em plena pandemia, numa curva particularmente apertada História, a CRP indica-nos subversivamente que o poder económico deve estar subordinado ao poder político. O exemplo do Serviço Nacional de Saúde aí está a separar o que nos pode proteger coletivamente do parasitário negócio privado da saúde que nos vulnerabiliza. As urgências climáticas tornarão mais saliente a tensão entre o bem público e a lógica capitalista mais predadora. Neste contexto, a candidatura de João Ferreira dá-nos esperança, porque traça as linhas certas, faz as clivagens nos sítios onde devem ser feitas. O desenvolvimento passa por aqui.

João Rodrigues

Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Mandatário do Concelho de Coimbra da Candidatura de João Ferreira