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SOBERANIA ALIMENTAR, PRODUÇÃO E DESENVOLVIMENTO

INTERVENÇÃO NA SESSÃO PÚBLICA DA CANDIDATURA DE JOÃO FERREIRA A PRESIDENTE DA REPÚBLICA

20210108 sessão ISABEL MAGALHAES

A alimentação é uma necessidade básica. O acesso aos alimentos é essencial para a sobrevivência da humanidade e é um direito humano fundamental.

Atualmente um vastíssimo número de organizações em todo o mundo reclama esse direito.

O conceito de Soberania Alimentar foi discutido, pela primeira vez, em 1996 na 2ª Conferência Internacional da Via Campesina, no México.

Nesse ano de 1996, o conceito de Soberania Alimentar foi lançado pela Via Campesina no Fórum paralelo das Organizações Não Governamentais (ONGs) da Sociedade Civil, intitulado "Benefícios para Poucos ou Alimentos para Todos", que decorreu em Roma. A declaração final deste Fórum paralelo foi apresentada na Cimeira Mundial sobre Alimentação promovida pela FAO-Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, nesse mesmo ano.

A SOBERANIA ALIMENTAR, em 2021, fará 25 anos de existência.

A SOBERANIA ALIMENTAR, é o direito dos POVOS a alimentos saudáveis e culturalmente adequados às suas tradições, produzidos através de métodos sustentáveis e ecologicamente apropriados. Os POVOS têm o direito a definir os seus próprios sistemas de agricultura e alimentação, mantendo o controlo sobre os recursos naturais, que são bens públicos, em particular a TERRA, a ÁGUA e as SEMENTES.

Nas políticas alimentares, devem ser colocadas as aspirações e necessidades daqueles que produzem, distribuem e consomem alimentos, e não as exigências dos mercados e das grandes empresas e corporações transnacionais.

A SOBERANIA ALIMENTAR dá prioridade às economias e produções nacionais e aos mercados locais de cada país, valorizando os camponeses e os pequenos e médios agricultores, os pescadores. Protege a produção, distribuição e consumo de alimentos basados na sustentabilidade ambiental, social e económica.

A SOBERANIA ALIMENTAR emergiu como resposta e alternativa ao modelo neoliberal de globalização capitalista.

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Importa realçar que SOBERANIA ALIMENTAR é um conceito diferente de SEGURANÇA ALIMENTAR. A SOBERANIA ALIMENTAR é a resposta à chamada SEGURANÇA ALIMENTAR, termo usado pela maioria dos governos, quando falam de alimentos e agricultura.

 A SEGURANÇA ALIMENTAR está focada na quantidade de alimentos que são fornecidos, por quaisquer meios, quer seja pela produção local, quer seja pela importação. Não se preocupa com a origem dos alimentos e com quem os produz.

As políticas econômicas governamentais preocupadas exclusivamente com a SEGURANÇA ALIMENTAR dão maior preferência à agricultura industrializada, dominada pelas grandes empresas do agronegócio.

Este modelo de agricultura industrializada e globalizada, que não reduziu a fome no mundo, considera os alimentos como mercadorias, incluindo-os nos Acordos da OMC - Organização Mundial do Comércio, criada em 1995 para negociar acordos comerciais internacionais.

Impôs padrões de hiperconsumismo que têm levado a graves problemas de saúde, tais como a obesidade, aumentou a pobreza no mundo Gerou ainda mais desemprego, redução dos salários e destruição das economias rurais. Muitas famílias camponesas e de pequenos e médios agricultores foram arruinadas. Na Europa desapareceram, na última década, cerca de um terço destas pequenas e médias explorações agrícolas.

A agricultura industrializada e globalizada tem imposto preços artificialmente baixos, “dumping” constante, exportações subsidiadas que destroem as produções nacionais. É também responsável pelo aumento dos problemas ambientais, das alterações climáticas, esgotamento dos recursos naturais, redução da biodiversidade.

20210108 sessão soberania produção desenvolvimento

O aparecimento do conceito da SOBERANIA ALIMENTAR seguiu-se à Reunião do Uruguai em que foram aprovados e assinados os acordos do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) onde foi incluído o Acordo sobre Agricultura e Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), da OMC. Este Acordo, ao considerar os alimentos como meras mercadorias transacionáveis, deu às multinacionais a exclusividade dos direitos sobre o patenteamento e a comercialização de sementes, impedindo os agricultores de utilizarem as suas próprias sementes.

Estes acordos tiveram enorme repercussão negativa sobre os povos em todo o Mundo, no direito humano de acesso à alimentação.

A SOBERANIA ALIMENTAR, pelo contrário, retira a alimentação de uma visão mercantilista, e reintegra-a nos seus contextos sociais, ecológicos, culturais e locais, como fonte de nutrição.

As principais lutas em torno da SOBERANIA ALIMENTAR centram-se na defesa da Agricultura Familiar baseada numa agricultura sustentável, na defesa dos direitos dos agricultores às suas sementes, nos direitos das mulheres, na reforma agrária e no reconhecimento dos direitos dos camponeses, no controle dos povos sobre a terra, a água e os territórios, na resistência ao livre comércio e às corporações transnacionais, nos direitos dos trabalhadores migrantes, na promoção da agroecologia, no aumento da participação dos jovens na agricultura. Uma grande parte destes direitos está consagrada na “Declaração dos Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas do Mundo Rural”, aprovada na Assembleia Geral da ONU em Dezembro de 2018, ao fim de uma luta iniciada 17 anos antes, pela Via Campesina.

A VIA CAMPESINA, como organização internacional de camponeses, pequenos e médios agricultores e outras pessoas que vivem em áreas rurais, deu a estes uma plataforma para fazerem escutar as suas vozes lutando contra os efeitos que estas medidas tiveram nas suas vidas.

Este movimento cresceu! É atualmente reconhecido como parceiro no diálogo global sobre alimentação e agricultura. É considerado um movimento autónomo, pluralista e multicultural. Com cerca de 182 organizações locais e nacionais de 81 países, a Via Campesina representa cerca de 200 milhões de agricultores em todo o mundo.

Em Portugal, a CNA-Confederação Nacional da Agricultura, faz parte da Coordenadora Europeia da Via Campesina.

A Soberania Alimentar não é uma utopia!

Em 2008, o Equador foi o primeiro país a reconhecer a Soberania Alimentar na sua constituição. Desde então, outros países seguiram o exemplo, incluindo Senegal, Mali, Bolívia, Nepal, Venezuela e, mais recentemente, Egito.

Em Portugal, existem cada vez maior número de exemplos, tanto ao nível dos municípios (Montemor-o-Novo, Torres Vedras etc) como de organizações e de grupos de cidadãos, que têm como objetivo levar à prática alguns dos princípios da Soberania Alimentar, exercendo o direito efetivo à alimentação saudável e respeitadora do ambiente, a defesa da biodiversidade e da diversidade cultural, a prática da agroecologia, dando prioridade ao consumo de produtos locais e de época, que dispensam o uso de conservantes e outros aditivos e evitam o gasto energético e despesas desnecessárias em transportes e intermediários.

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Situação de Portugal em termos de Soberania Alimentar e de Segurança Alimentar.

Propostas para aumento da produção agrícola e desenvolvimento

Portugal tem um dos maiores défices da balança alimentar da Europa, que ronda os 4.000 milhões de euros por ano.

É particularmente deficitário em cereais, batata, fruta e carne, com um grau de auto aprovisionamento de 20% em cerais, 44% em batata, 68% em fruta e 76% em carne (dados de 2017).

As produções ago-alimentares em que somos excedentários são a manteiga, o tomate para a indústria, o vinho e o azeite.

O baixo grau de auto aprovisionamento nos cereais, trigo, milho e arroz é particularmente grave pois são alimentos determinantes para a soberania e segurança alimentar de qualquer país e nunca Portugal esteve tão dependente de outros países neste setor. Este contexto da pandemia de COVID-19 provocou uma situação particularmente crítica na logística de transportes e pelas restrições que muitos países impuseram à exportação de cereais.

Portugal, tal como toda a União Europeia, está sujeito ao regime regulatório da Política Agrícola Comum, que tem condicionado a sua soberania e a capacidade de decidir o que efetivamente interessa ao desenvolvimento da agricultura e alimentação portuguesa, nomeadamente:

1) Apoiar efetivamente a Agricultura Familiar e reconhecer a sua importância na soberania e segurança alimentar e nutricional, na resiliência face aos impactos das alterações climáticas e na sua contribuição para a coesão social, económica e territorial;

2) Reconhecer e valorizar o papel da mulher agricultora e criar condições para a instalação e manutenção na agricultura dos jovens agricultores;

3) Criar linhas de crédito destinado ao investimento, adequadas e especificamente direcionadas às explorações agrícolas familiares e às cooperativas;

4) Promover o escoamento da produção agrícola, pecuária e florestal a preços justos e compensadores aos produtores agrícolas e florestais;

5) Combater a “ditadura” das grandes superfícies comerciais e controlo das importações, regulamentando a atividade da grande distribuição, no que respeita à relação com os agricultores nacionais e relativamente às importações e à forma como elas são praticadas. Os agricultores não podem continuar a ser o elo mais fraco da cadeia de distribuição agro-alimentar. Dados oficiais revelam que, na cadeia de valor, a distribuição fica com 50%, a indústria com 30% e a produção apenas com 20%, 75% dos quais são custo de produção, ou seja por cada 100 € que o consumidor paga, o agricultor apenas fica com 5€ para viver com a sua família;

6) Apoiar, efetivamente, a criação e melhoria de mercados locais e tradicionais para a comercialização de produções;

7) Dar prioridade à Agricultura Familiar no fornecimento de cantinas de instituições públicas e da economia social da região onde as explorações estão localizadas, apoiando a organização económica da produção, com regras apropriadas para pequenas e médias explorações familiares;

8) Reforçar a estrutura do Ministério da Agricultura e dos serviços de Extensão Agrícola e Rural, capazes de assegurar uma relação de proximidade e confiança com todos os que continuam a alimentar os portugueses em Portugal;

9) Apoiar sistemas de certificação participativa da qualidade por forma a promover ativamente a qualificação e o reconhecimento dos produtos da agricultura familiar e garantir aos consumidores a qualidade diferenciada das suas produções;

10) Promover a conservação da biodiversidade, melhorando a ação coletiva local e comunitária, a gestão local dos recursos naturais e incentivando as práticas agrícolas que incluam conhecimento local, numa perspetiva de AGROECOLOGIA;

Estas serão algumas das medidas que se consideram essenciais para apoio à produção agrícola e desenvolvimento da agricultura.

Mas o que na prática se constata é que os sucessivos governos dirigem a política agrícola e os recursos financeiros para o “PRODUZIR PARA EXPORTAR” continuando a apoiar principalmente a agricultura de grande dimensão, dita competitiva e exportadora. Mas o que o país e a nossa população realmente precisam é de uma agricultura que os alimente e que seja fator de dinamização e coesão social, económica e territorial.

A importância estratégica da pequena e média Agricultura Familiar, que deverá constituir o principal pilar do abastecimento interno e da indispensável diminuição do défice alimentar, continua a ser menosprezada.

Relativamente ao Estatuto da Agricultura Familiar, que foi aprovado em 2018, por proposta da CNA, o governo não mostra qualquer interesse em levá-lo à prática. Em dois Orçamentos de Estado, mais o Orçamento Intercalar não foram inscritas quaisquer verbas para a sua concretização e as propostas do PCP para a sua implementação têm sido chumbadas na Assembleia da República.

Mas luta continua, pela Soberania Alimentar!

Só com a Soberania Alimentar assente na Agricultura Familiar, se poderá alcançar a Segurança Alimentar!

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