PRESIDENCIAIS 2021 - COIMBRA - INTERVENÇÃO DE JERÓNIMO DE SOUSA NA SESSÃO "SOBERANIA, PRODUÇÃO, DESENVOLVIMENTO"
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Intervenção de Jerónimo de Sousa na Sessão da Candidatura de João Ferreira realizada em Coimbra sob o tema "Soberania, Produção, Desenvolvimento".
(A intervenção foi lida por Vladimiro Vale, da Comissão Política do CC do PCP. O agendamento de uma reunião urgente com o 1º Ministro impediu a participação do Secretário Geral do PCP).
Num momento em que os portugueses vão ser chamados a escolher o futuro Presidente da República, faz todo o sentido, como o decidiram os responsáveis do distrito de Coimbra da candidatura de João Ferreira, trazer e evidenciar a importância dos problemas que estão subjacentes ao tema que aqui nos trás – as questões que ligam soberania, produção e desenvolvimento.
Questões centrais de um projecto condizente com a Constituição da República e alternativo àquele que os executantes da política de direita conduziram o País nas últimas décadas.
Temos afirmado que as eleições para Presidente de República, seja pelo papel que desempenha e pelas funções que lhe estão cometidas, seja pelo enquadramento nacional e internacional em que se inserem, são particularmente importantes.
O Presidente da República não é uma jarra para enfeitar o ordenamento jurídico português. Os poderes de que dispõe, se usados na boa direcção, permitiriam, pela sua influência, assegurar políticas de defesa desse outro rumo ao serviço do povo e do país.
Ao mesmo tempo, a sua acção, se determinada e corajosa, permitiria impedir ou atrasar medidas lesivas dos interesses populares!
A candidatura de João Ferreira, assente em valores, ancorada nos princípios constitucionais, emergindo da voz dos que lutam e não se resignam, é uma candidatura necessária, indispensável, insubstituível.
Uma candidatura que valoriza o órgão de soberania Presidente da República seja pelo seu percurso – de seriedade, integridade e entrega à causa da democracia, da soberania e da Paz –, seja pelos valores que procurará imprimir em toda a batalha eleitoral e que assumirá, sendo eleito, na Presidência da República.
Uma candidatura diferente que não se confunde com nenhuma das outras candidaturas por mais de esquerda que se auto-afirmem ou por mais preocupações sociais que proclamem, porque esta é distinta de qualquer delas.
Sim, esta é uma candidatura única, uma candidatura singular e a campanha eleitoral está a confirmá-lo.
Nenhuma candidatura, nenhum outro candidato interpreta, como a candidatura de João Ferreira a luta dos que se batem por uma verdadeira alternativa para País.
A candidatura de um candidato que esteve nos últimos anos e continua a estar, em todos os combates decisivos para a defesa dos interesses vitais do nosso povo.
Nenhuma outra candidatura se apresenta perante os trabalhadores e o povo com um genuíno projecto político capaz de lançar a patriótica tarefa de contribuir para construir um Portugal com futuro.
Uma candidatura que tem vindo em contínua ascensão e que, estamos certos, pode ir muito longe com o esforço empenhado de todos os seus apoiantes.
Por isso aqui estamos também empenhados nesta importante batalha para colocar como Presidente da República quem garanta defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da Republica Portuguesa, quem assuma os valores que ela comporta, quem incorpore o seu projecto, quem queira retomar os caminhos de Abril que nela estão inscritos.
Desde logo promover e assegurar os caminhos do desenvolvimento soberano do País que exige superar os seus défices estruturais há muito identificados, à cabeça dos quais está um enorme défice produtivo, que está na origem da sua elevada dependência externa e das enormes fragilidades que Portugal apresenta.
Um País que há muito apresenta enormes debilidades do aparelho produtivo nacional, consequência das imposições da União Europeia e de uma política nacional que a elas se subordinou, do domínio da economia pelo capital estrangeiro e consequente transferência e evasão de capitais, da sua crescente financeirização e da falta de investimento público e produtivo.
Debilidades que não só obrigam o País a depender do exterior para satisfazer necessidades básicas, como para produzir o que exporta.
Défice que é a consequência directa da desvalorização da agricultura, das pescas, da indústria transformadora e dos nossos recursos nacionais e de uma desastrosa política que deliberadamente promoveu o desmantelamento de infraestruturas científicas e tecnológicas e a destruição de muitos dos centros de competência e de saber públicos.
Obra de políticas concretas e da acção de governos e grupos económicos concretos que tiveram na Presidências da República de todos estes últimos anos um aliado nessas desastrosas opções.
E se este é um problema que vem de longe, nestas últimas duas décadas a liquidação dos sectores produtivos e da produção nacional foi profunda, bem patente na taxa média do PIB que mostra uma evidente estagnação nestes anos decorridos do século XXI, mesmo apesar da travagem das políticas de retrocesso e desastre económico que foi possível conseguir-se nestes anos da segunda metade da década que agora findou.
De facto, apesar dessa contenção os graves problemas do nosso país continuam por resolver e vão-se agravando, porque a política de submissão às imposições da União Europeia, aos interesses dos monopólios, dos grandes grupos económicos e das grandes potências europeias, nos seus traços fundamentais mantiveram-se e com ela, os constrangimentos, atrasos e problemas estruturais que o país enfrenta, expostos agora com mais clareza com a epidemia da COVID - 19.
Se Portugal era já um País excessivamente desigual, em que o peso dos ordenados e salários pouco excede 1/3 do PIB, em que a percentagem de trabalho precário é das mais elevadas da União Europeia. Se era um País mais dependente, com um défice da balança de comercial de bens em 2019 de mais de 20 mil milhões de euros, de que se destaca o défice da balança comercial de máquinas, material de transportes e seus acessórios de 6 mil milhões de euros, o défice da balança comercial de produtos energéticos de 5,5 mil milhões de euros e o défice da balança agroalimentar que já ultrapassa os 4,3 mil milhões de euros, com a epidemia tudo se tem vindo agravar, nomeadamente o desemprego.
De facto, a epidemia trouxe à luz do dia a importância das questões que se levantam em termos de produção e soberania nacional. Recordemos o que aconteceu no comércio internacional, inclusive com o levantamento de barreiras entre os Estados membros da União Europeia de um dito mercado único. A necessidade da soberania alimentar, de garantia da produção de medicamentos e equipamento médico, a soberania energética, entre outros, que mostraram bem a sua importância.
Problemas graves que levaram o primeiro-ministro António Costa a reconhecer e afirmar numa visita ao CEiiA ( Centro de Engenharia e Desenvolvimento) na Maia a 08 de Maio, no seguimento de Macron e outros: «Não podemos estar tão dependentes de fornecimentos externos como temos estado até agora. Coisas tão banais como máscaras não podem vir de países que estão a milhares de quilómetros de distância.»
Foi preciso a pandemia para se fazer luz em relação a este magno problema da importância da soberania produtiva que não pode ficar apenas pelo reconhecimento do erro, mas que exige acção e políticas concretas.
Este é o tempo de malhar o ferro enquanto está quente e reclamar: O País precisa de assegurar a capacidade produtiva em bens e serviços estratégicos, pondo em causa a liberalização do comércio externo e as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio) e a livre circulação do capital, nomeadamente na produção alimentar, na produção de medicamentos e equipamentos médicos e hospitalares, em muitas produções da indústria transformadora, na titularidade e comando públicos de serviços estratégicos como a energia, as telecomunicações e os principais meios de transporte.
Na manutenção e reforço de uma infraestrutura nacional de I&DT.
Não é preciso sublinhar o que a pandemia tornou absolutamente evidente: a necessidade de fortes sistemas públicos de saúde, ensino e segurança social.
Uma posição que não se deverá confundir com autarcia e isolacionismo, antes articulada com relações internacionais de cooperação e solidariedade, para o desenvolvimento mutuamente vantajoso com todos os povos do mundo.
Temos de reinscrever a soberania alimentar no «Conceito Estratégico de Defesa Nacional», de onde foi apeado pelo PS, PSD e CDS.
Parece que a pertença à União Europeia e a liberalização do comércio mundial resolvia qualquer problema de abastecimento alimentar.
Como é claro hoje não resolve. Aliás, devemos combater as ideias em curso, de que estas questões e problemas cruciais da soberania e independência nacional se devem e podem resolver no seio da União Europeia.
Uma visão da sua solução no quadro da integração comunitária, na base de uma divisão europeia do trabalho, oleada pelo euro, só nos poderia fragilizar mais e tornar-nos mais periféricos e mais dependentes das potências do directório europeu.
Os que os socorreram, não pertenciam à União Europeia. Faltou ouvir em voz alta e reconhecer as razões do PCP na defesa, de décadas, da produção nacional!
A produção nacional é um eixo estratégico fundamental, particularmente naquelas vertentes, da soberania nacional - não pode ser soberano quem depende de terceiros para a satisfação de necessidades elementares e básicas - alimentares, saúde, energia - e a soberania nacional tem que significar o poder soberano de definir políticas e usar os instrumentos necessários para uma produção nacional conforme as necessidades do povo e do país, a começar na política orçamental e a terminar na concretização das políticas agrícola, de pescas e industrial que a garantam!
Para isso é necessário romper com seis fortes cadeias de dependência externa, simbioticamente articuladas, arrastando-nos para uma efectiva colonização económica e política, pondo em causa a soberania e independência nacional: a que resulta da pertença à União Económica e Monetária e o seu sistema de imposições e normas presentes nos Tratados Orçamental e de outros instrumentos; a da elevada dívida externa e a correspondente e insustentável dívida pública; a da ausência de um verdadeiro Banco Central, com a consequente dependência do Estado dos mercados financeiros para se financiar; o bloco crítico da estrutura empresarial, com empresas estratégicas e as principais empresas, cadeias de valor e redes de fluxos de componentes, comerciais e financeiros, comandadas pelo capital estrangeiro e capital financeiro; o sistema bancário comercial privado, dominado pelo sistema bancário espanhol e um quarteto de défices estruturais – produtivo, energético, tecnológico, de capital -que amarram o país a uma forte dependência externa.
A remoção destes seis principais constrangimentos, profundamente interligados, constitui um objectivo inadiável para responder às necessidades do povo e do País.
Três casos na agenda política recente a merecerem uma cuidadosa avaliação, pois são eixos importantíssimos da soberania e produção nacionais, são os casos da GALP, da TAP e da venda das barragens da EDP.
O anúncio do encerramento da refinaria da GALP em Leça da Palmeira, que reduz a um único centro produtor, a produção de refinados de petróleo, com consequências no plano da soberania energética, do tecido industrial, do equilíbrio territorial, do desenvolvimento económico e do emprego, é mais atentado aos interesses nacionais.
É um crime económico que precisa de ser denunciado e combatido. Um crime que beneficia o grande capital que vê nesta decisão uma forma de preservar os seus escandalosos lucros e a distribuição de centenas de milhões de euros em dividendos todos os anos e que responsabiliza o Governo que não só não impede esta decisão, como dá cobertura aos falsos argumentos e às mentiras que têm sido projectadas, procurando ligar esta decisão, aos impactos do Covid-19 ou a supostas preocupações ambientais.
Argumentos que, a serem considerados em toda a sua extensão, levariam ao encerramento de parte significativa das empresas industriais portuguesas.
O encerramento é realizado por opção económica da GALP e dos seus accionistas, a etiqueta «ambiente» serve para que a operação de encerramento da refinaria seja financiada com fundos públicos, com o Estado a assumir os custos da GALP com esta sua decisão, nomeadamente as indemnizações aos trabalhadores e a recuperação dos solos da refinaria.
Ficando o país com uma única refinaria, uma questão é incontornável: sempre que esta refinaria tenha que ser encerrada (por necessidades de manutenção ou a ocorrência de um acidente), o país passa a ficar totalmente dependente da importação.
As declarações do Governo, por via do Ministro do Ambiente, congratulando-se com o encerramento desta refinaria e reafirmando os argumentos da GALP, revelam uma total submissão às imposições da União Europeia e da sua agenda de favorecimento das grandes potencias que estão a impor a países como Portugal, processos e ritmos de liquidação de infraestruturas estratégicas, contrários aos seus interesses.
Uma das outras razões para a tentativa de encerramento da Refinaria de Matosinhos é o excesso de oferta na União Europeia, que leva a que haja pressões para encerrar alguma capacidade produtiva, para manter as taxas de lucro.
E como tem acontecido sistematicamente, se na Europa há capacidade produtiva a mais, rapidamente chegam os «apoios» para que esta seja encerrada em Portugal.
Nada que não esteja já a acontecer, seja no sector energético como é também o caso do anúncio da antecipação do encerramento da central termoelétrica de Sines, seja noutros sectores, como é o da aviação civil, com o coro de vozes que vamos ouvindo a exigirem o encerramento da TAP.
De facto a TAP é outra situação que, a concretizarem-se as orientações e pretensões da União Europeia, significaria mais um retrocesso na defesa dos interesses nacionais e das comunidades portuguesas no estrangeiro. Ainda agora durante a pandemia foi através da TAP que se foi buscar portugueses e medicamentos e equipamentos necessários ao País.
Num momento em que alguns apostam na sua descaracterização e entrega a uma multinacional estrangeira, queremos sublinhar o seguinte: o País nem pode prescindir da TAP nem tem que pedir licença à União Europeia para defender aquilo que é seu. Salvar a TAP é uma decisão soberana que não pode estar dependente do acordo da Comissão Europeia que legitime uma intervenção contra os salários e direitos dos trabalhadores, e a preparação da empresa para nova privatização, como o Governo está a fazer.
No imediato, é preciso mobilizar recursos para responder aos impactos da epidemia nesta empresa estratégica nacional e, ao mesmo tempo, preparar o futuro, com uma TAP que seja de facto uma companhia aérea de bandeira e a recuperação do controlo público dos aeroportos nacionais, colocando – a TAP e a ANA – ao serviço dos trabalhadores, do Povo e do País.
Por fim, o exemplo, este ainda mais recente, o da EDP e da venda de barragens desta que é a principal empresa no abastecimento de eletricidade do País e através da sua rede de barragens a principal infraestrutura no armazenamento de água doce do país. A defesa da soberania nacional não devia permitir o que se anuncia e que se traduzirá não apenas numa maior fragilização e redução da sua capacidade produtiva, mas também na desarticulação da gestão comum da água da única rede de grandes barragens do país e que se pretende entregar a uma empresa francesa.
Não basta proclamar a necessidade de tirar lições das desastrosas políticas do passado, nem tão afirmar, como o faz também Marcelo Rebelo de Sousa que
“não podemos esperar que as soluções de ontem, sejam as soluções de amanhã” e depois fechar os olhos a soluções que são pretexto para centralizar e concentrar mais capital e riqueza nas mãos de uns poucos, à custa da regressão dos salários, dos direitos e da vida da maioria.
É preciso romper com esta lógica!
Sim, as soluções não podem ser as de ontem, o País precisa de novas soluções, para dar resposta aos atrasos acumulados por anos de política de direita.
Precisa de soluções para garantir o pleno emprego. Soluções para promover o desenvolvimento das forças produtivas e a produção nacional. Soluções para reduzir as acentuadas desigualdades sociais, uma realidade onde pesam os baixos salários, as baixas reformas, a precariedade e o trabalho sem direitos.
Caros amigos,
Camaradas,
O país não pode hipotecar o seu futuro.
O país não pode a adiar a tarefa do crescimento económico, da criação de emprego, da defesa e desenvolvimento da produção nacional.
Portugal pode e deve vencer mas com outra política, uma política ao serviço do povo e do país e não no interesse de meia dúzia de famílias, governantes e dos grupos económicos.
Portugal pode e deve vencer apoiando a candidatura de João Ferreira.
A candidatura que assume e luta pela pela utilização das forças produtivas e pelo seu aumento. A candidatura empenhada na garantia do controlo público, democrático, de empresas e sectores estratégicos, de acordo com o interesse colectivo.
A candidatura de todos os que se empenham na valorização do trabalho e dos trabalhadores, na justa distribuição da riqueza, na defesa dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, na garantia de coesão territorial, na defesa do ambiente e dos ecossistemas, no combate a todas as discriminações.
A candidatura dos que não aceitam o Portugal das desigualdades sociais e das injustiças e que lutam e aspiram à concretização em Portugal de uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural.
Este é o momento dos democratas e patriotas, com o seu empenhado apoio a esta candidatura, assumirem uma posição de compromisso com a Constituição da República Portuguesa e com um Portugal de progresso e desenvolvimento.
Há quem queira decidir pelo povo e tenha decretado já um vencedor!
Mas não há vencedores antecipados e é no fim que se contam votos e se confirmam os resultados!
E neste momento que nos aproximamos do fim da campanha o que assistimos é ao crescimento e firmação da candidatura de João Ferreira.
Podem vir com as sondagens do costume, daquelas que dizem que uma grande parte não responde ou não sabe que não nos podem impressionar.
É por isso que precisamos de lutar até ao fim, para continuar a dar força à nossa campanha e ampliar o combate que estamos a travar, esclarecendo a importância da candidatura de João Ferreira para dar força à luta ruptura e pela verdadeira mudança.
Temos muito trabalho pela frente. Muito ainda a fazer na mobilização para o voto, para que ninguém falte, para que nenhum voto se perca.
Até ao último dia é hora de ir ao encontro dos portugueses, ganhar os indecisos e desiludidos e enganados pela política de direita e que já não têm esperança.
Dizer-lhes que é possível com o seu voto e com a luta do nosso povo mudar a nossa vida!
Dizer-lhes que o voto em João Ferreira nunca será um voto nem perdido nem traído!
São votos que não se perdem em nenhuma circunstância, mas que se traduzirão sempre em alavancas para o desenvolvimento da luta futura por um Portugal mais justo e solidário.
Votos que são dados a uma candidatura e a um candidato que jamais se retirará do combate seja qual for o seu desfecho, mas que continuará a luta na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores e do povo.
É por isso que não se pode perder nenhum voto dos que aspiram uma ruptura com as políticas que têm sido seguidas.
Nós temos confiança no êxito e na concretização dos grande objectivos da nossa candidatura, no nosso candidato e na força, disponibilidade, mobilização e querer de todos os portugueses e de todos os democratas que estão nesta grande batalha na defesa dos valores de Abril.
Temos convicção que todos juntos saberemos dar a resposta que se impõe aos desafios que temos pela frente!
PRESIDENCIAIS 2021 - COIMBRA - INTERVENÇÃO DE ISABEL MAGALHÃES NA SESSÃO "SOBERANIA, PRODUÇÃO, DESENVOLVIMENTO"
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SOBERANIA ALIMENTAR, PRODUÇÃO E DESENVOLVIMENTO
INTERVENÇÃO NA SESSÃO PÚBLICA DA CANDIDATURA DE JOÃO FERREIRA A PRESIDENTE DA REPÚBLICA
A alimentação é uma necessidade básica. O acesso aos alimentos é essencial para a sobrevivência da humanidade e é um direito humano fundamental.
Atualmente um vastíssimo número de organizações em todo o mundo reclama esse direito.
O conceito de Soberania Alimentar foi discutido, pela primeira vez, em 1996 na 2ª Conferência Internacional da Via Campesina, no México.
Nesse ano de 1996, o conceito de Soberania Alimentar foi lançado pela Via Campesina no Fórum paralelo das Organizações Não Governamentais (ONGs) da Sociedade Civil, intitulado "Benefícios para Poucos ou Alimentos para Todos", que decorreu em Roma. A declaração final deste Fórum paralelo foi apresentada na Cimeira Mundial sobre Alimentação promovida pela FAO-Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, nesse mesmo ano.
A SOBERANIA ALIMENTAR, em 2021, fará 25 anos de existência.
A SOBERANIA ALIMENTAR, é o direito dos POVOS a alimentos saudáveis e culturalmente adequados às suas tradições, produzidos através de métodos sustentáveis e ecologicamente apropriados. Os POVOS têm o direito a definir os seus próprios sistemas de agricultura e alimentação, mantendo o controlo sobre os recursos naturais, que são bens públicos, em particular a TERRA, a ÁGUA e as SEMENTES.
Nas políticas alimentares, devem ser colocadas as aspirações e necessidades daqueles que produzem, distribuem e consomem alimentos, e não as exigências dos mercados e das grandes empresas e corporações transnacionais.
A SOBERANIA ALIMENTAR dá prioridade às economias e produções nacionais e aos mercados locais de cada país, valorizando os camponeses e os pequenos e médios agricultores, os pescadores. Protege a produção, distribuição e consumo de alimentos basados na sustentabilidade ambiental, social e económica.
A SOBERANIA ALIMENTAR emergiu como resposta e alternativa ao modelo neoliberal de globalização capitalista.
Importa realçar que SOBERANIA ALIMENTAR é um conceito diferente de SEGURANÇA ALIMENTAR. A SOBERANIA ALIMENTAR é a resposta à chamada SEGURANÇA ALIMENTAR, termo usado pela maioria dos governos, quando falam de alimentos e agricultura.
A SEGURANÇA ALIMENTAR está focada na quantidade de alimentos que são fornecidos, por quaisquer meios, quer seja pela produção local, quer seja pela importação. Não se preocupa com a origem dos alimentos e com quem os produz.
As políticas econômicas governamentais preocupadas exclusivamente com a SEGURANÇA ALIMENTAR dão maior preferência à agricultura industrializada, dominada pelas grandes empresas do agronegócio.
Este modelo de agricultura industrializada e globalizada, que não reduziu a fome no mundo, considera os alimentos como mercadorias, incluindo-os nos Acordos da OMC - Organização Mundial do Comércio, criada em 1995 para negociar acordos comerciais internacionais.
Impôs padrões de hiperconsumismo que têm levado a graves problemas de saúde, tais como a obesidade, aumentou a pobreza no mundo Gerou ainda mais desemprego, redução dos salários e destruição das economias rurais. Muitas famílias camponesas e de pequenos e médios agricultores foram arruinadas. Na Europa desapareceram, na última década, cerca de um terço destas pequenas e médias explorações agrícolas.
A agricultura industrializada e globalizada tem imposto preços artificialmente baixos, “dumping” constante, exportações subsidiadas que destroem as produções nacionais. É também responsável pelo aumento dos problemas ambientais, das alterações climáticas, esgotamento dos recursos naturais, redução da biodiversidade.
O aparecimento do conceito da SOBERANIA ALIMENTAR seguiu-se à Reunião do Uruguai em que foram aprovados e assinados os acordos do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) onde foi incluído o Acordo sobre Agricultura e Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), da OMC. Este Acordo, ao considerar os alimentos como meras mercadorias transacionáveis, deu às multinacionais a exclusividade dos direitos sobre o patenteamento e a comercialização de sementes, impedindo os agricultores de utilizarem as suas próprias sementes.
Estes acordos tiveram enorme repercussão negativa sobre os povos em todo o Mundo, no direito humano de acesso à alimentação.
A SOBERANIA ALIMENTAR, pelo contrário, retira a alimentação de uma visão mercantilista, e reintegra-a nos seus contextos sociais, ecológicos, culturais e locais, como fonte de nutrição.
As principais lutas em torno da SOBERANIA ALIMENTAR centram-se na defesa da Agricultura Familiar baseada numa agricultura sustentável, na defesa dos direitos dos agricultores às suas sementes, nos direitos das mulheres, na reforma agrária e no reconhecimento dos direitos dos camponeses, no controle dos povos sobre a terra, a água e os territórios, na resistência ao livre comércio e às corporações transnacionais, nos direitos dos trabalhadores migrantes, na promoção da agroecologia, no aumento da participação dos jovens na agricultura. Uma grande parte destes direitos está consagrada na “Declaração dos Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas do Mundo Rural”, aprovada na Assembleia Geral da ONU em Dezembro de 2018, ao fim de uma luta iniciada 17 anos antes, pela Via Campesina.
A VIA CAMPESINA, como organização internacional de camponeses, pequenos e médios agricultores e outras pessoas que vivem em áreas rurais, deu a estes uma plataforma para fazerem escutar as suas vozes lutando contra os efeitos que estas medidas tiveram nas suas vidas.
Este movimento cresceu! É atualmente reconhecido como parceiro no diálogo global sobre alimentação e agricultura. É considerado um movimento autónomo, pluralista e multicultural. Com cerca de 182 organizações locais e nacionais de 81 países, a Via Campesina representa cerca de 200 milhões de agricultores em todo o mundo.
Em Portugal, a CNA-Confederação Nacional da Agricultura, faz parte da Coordenadora Europeia da Via Campesina.
A Soberania Alimentar não é uma utopia!
Em 2008, o Equador foi o primeiro país a reconhecer a Soberania Alimentar na sua constituição. Desde então, outros países seguiram o exemplo, incluindo Senegal, Mali, Bolívia, Nepal, Venezuela e, mais recentemente, Egito.
Em Portugal, existem cada vez maior número de exemplos, tanto ao nível dos municípios (Montemor-o-Novo, Torres Vedras etc) como de organizações e de grupos de cidadãos, que têm como objetivo levar à prática alguns dos princípios da Soberania Alimentar, exercendo o direito efetivo à alimentação saudável e respeitadora do ambiente, a defesa da biodiversidade e da diversidade cultural, a prática da agroecologia, dando prioridade ao consumo de produtos locais e de época, que dispensam o uso de conservantes e outros aditivos e evitam o gasto energético e despesas desnecessárias em transportes e intermediários.
Situação de Portugal em termos de Soberania Alimentar e de Segurança Alimentar.
Propostas para aumento da produção agrícola e desenvolvimento
Portugal tem um dos maiores défices da balança alimentar da Europa, que ronda os 4.000 milhões de euros por ano.
É particularmente deficitário em cereais, batata, fruta e carne, com um grau de auto aprovisionamento de 20% em cerais, 44% em batata, 68% em fruta e 76% em carne (dados de 2017).
As produções ago-alimentares em que somos excedentários são a manteiga, o tomate para a indústria, o vinho e o azeite.
O baixo grau de auto aprovisionamento nos cereais, trigo, milho e arroz é particularmente grave pois são alimentos determinantes para a soberania e segurança alimentar de qualquer país e nunca Portugal esteve tão dependente de outros países neste setor. Este contexto da pandemia de COVID-19 provocou uma situação particularmente crítica na logística de transportes e pelas restrições que muitos países impuseram à exportação de cereais.
Portugal, tal como toda a União Europeia, está sujeito ao regime regulatório da Política Agrícola Comum, que tem condicionado a sua soberania e a capacidade de decidir o que efetivamente interessa ao desenvolvimento da agricultura e alimentação portuguesa, nomeadamente:
1) Apoiar efetivamente a Agricultura Familiar e reconhecer a sua importância na soberania e segurança alimentar e nutricional, na resiliência face aos impactos das alterações climáticas e na sua contribuição para a coesão social, económica e territorial;
2) Reconhecer e valorizar o papel da mulher agricultora e criar condições para a instalação e manutenção na agricultura dos jovens agricultores;
3) Criar linhas de crédito destinado ao investimento, adequadas e especificamente direcionadas às explorações agrícolas familiares e às cooperativas;
4) Promover o escoamento da produção agrícola, pecuária e florestal a preços justos e compensadores aos produtores agrícolas e florestais;
5) Combater a “ditadura” das grandes superfícies comerciais e controlo das importações, regulamentando a atividade da grande distribuição, no que respeita à relação com os agricultores nacionais e relativamente às importações e à forma como elas são praticadas. Os agricultores não podem continuar a ser o elo mais fraco da cadeia de distribuição agro-alimentar. Dados oficiais revelam que, na cadeia de valor, a distribuição fica com 50%, a indústria com 30% e a produção apenas com 20%, 75% dos quais são custo de produção, ou seja por cada 100 € que o consumidor paga, o agricultor apenas fica com 5€ para viver com a sua família;
6) Apoiar, efetivamente, a criação e melhoria de mercados locais e tradicionais para a comercialização de produções;
7) Dar prioridade à Agricultura Familiar no fornecimento de cantinas de instituições públicas e da economia social da região onde as explorações estão localizadas, apoiando a organização económica da produção, com regras apropriadas para pequenas e médias explorações familiares;
8) Reforçar a estrutura do Ministério da Agricultura e dos serviços de Extensão Agrícola e Rural, capazes de assegurar uma relação de proximidade e confiança com todos os que continuam a alimentar os portugueses em Portugal;
9) Apoiar sistemas de certificação participativa da qualidade por forma a promover ativamente a qualificação e o reconhecimento dos produtos da agricultura familiar e garantir aos consumidores a qualidade diferenciada das suas produções;
10) Promover a conservação da biodiversidade, melhorando a ação coletiva local e comunitária, a gestão local dos recursos naturais e incentivando as práticas agrícolas que incluam conhecimento local, numa perspetiva de AGROECOLOGIA;
Estas serão algumas das medidas que se consideram essenciais para apoio à produção agrícola e desenvolvimento da agricultura.
Mas o que na prática se constata é que os sucessivos governos dirigem a política agrícola e os recursos financeiros para o “PRODUZIR PARA EXPORTAR” continuando a apoiar principalmente a agricultura de grande dimensão, dita competitiva e exportadora. Mas o que o país e a nossa população realmente precisam é de uma agricultura que os alimente e que seja fator de dinamização e coesão social, económica e territorial.
A importância estratégica da pequena e média Agricultura Familiar, que deverá constituir o principal pilar do abastecimento interno e da indispensável diminuição do défice alimentar, continua a ser menosprezada.
Relativamente ao Estatuto da Agricultura Familiar, que foi aprovado em 2018, por proposta da CNA, o governo não mostra qualquer interesse em levá-lo à prática. Em dois Orçamentos de Estado, mais o Orçamento Intercalar não foram inscritas quaisquer verbas para a sua concretização e as propostas do PCP para a sua implementação têm sido chumbadas na Assembleia da República.
Mas luta continua, pela Soberania Alimentar!
Só com a Soberania Alimentar assente na Agricultura Familiar, se poderá alcançar a Segurança Alimentar!
PRESIDENCIAIS 2021 - COIMBRA - INTERVENÇÃO DE JOÃO RODRIGUES NA SESSÃO "SOBERANIA, PRODUÇÃO, DESENVOLVIMENTO"
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Notas da Intervenção de João Rodrigues, na sessão pública da candidatura de João Ferreira, em Coimbra, sobre "Soberania, Produção e Desenvolvimento".
Esta sessão ocorre no contexto das eleições presidenciais, onde João Ferreira se tem já destacado como o candidato que, de forma mais persistente e clara, tem valorizado o acervo intensamente democrático, nos interligados planos político, económico, social ou ambiental, ainda contido na Constituição da República Portuguesa (CRP). João Ferreira tem denunciado vigorosamente, desde a sua declaração inicial, “o conflito entre o carácter progressista e avançado do regime constitucionalmente consagrado e a ação deliberada de sucessivos governos com vista à sua amputação e desfiguramento”. Esta ação deliberada contou com a cumplicidade de vários Presidentes da República, os mesmos que juraram cumprir e fazer cumprir a CRP.
A desvalorização do trabalho, dos salários baixos à precariedade, as desigualdades socioeconómicas cavadas, a austeridade, que levou o investimento e o emprego públicos para os níveis mais baixos da UE e gerou um desemprego persistente, as privatizações ruinosas ou a aplicação à ineficiente banca privada do princípio segundo o qual os cidadãos pagam os desmandos, mas não mandam, são exemplos das consequências gravosas que advêm da “submissão do país”, ao arrepio dos valores da soberania popular plasmados na CRP, “às decisões e políticas da UE”, particularmente gravosas no quadro do euro e do mercado único. A candidatura de João Ferreira é a única que liga estas pontas de outra forma soltas numa análise consistente. Uma análise que nos dá pistas para compreender como emergiu, na sombra da troika, um modelo económico assente num muito pouco produtivo nexo finança-imobiliário-turismo que a crise pandémica revelou ter colocado o país perante vulnerabilidades acrescidas, por comparação com países que não descuraram um tecido industrial mais enraizado, produtivo e diversificado.
Estamos em Coimbra, uma cidade que ilustra as contradições do nosso país: por um lado, graças às forças engendradas por Abril, foi aqui possível desenvolver um polo público de saúde, educação e ciência, capaz de servir as necessidades das populações e de ser motor potencial de desenvolvimento; por outro lado, Coimbra carrega as cicatrizes de um desastroso processo de desindustrialização e este não pode ser desligado da forma como sucessivos governos abdicaram de instrumentos de política de desenvolvimento no quadro de um processo de integração supranacional crescentemente contrário aos interesses do sujeito coletivo onde reside a soberania: o povo português.
Neste contexto, João Ferreira tem assinalado a necessidade do país se libertar da herança da troika e de políticas na sua esteira, por exemplo na área das relações laborais, centro de uma estratégia de desenvolvimento assente na valorização do trabalho. Não há de facto desenvolvimento das forças produtivas que não tenha de ser acompanhado de alterações progressistas nas relações sociais de produção. Caso contrário, torna-se difícil humanizar circunstâncias e desenvolver potencialidades e liberdades individuais e coletivas, a essência do desenvolvimento.
Uma vez mais a CRP dá-nos pistas interessantes para um projeto que pode ser acalentado também a partir da Presidência da República: a ideia constitucional da coexistência de três regimes de propriedade dos meios de produção, público, privado e cooperativo, no quadro de uma economia mista que pode e deve ser estrategicamente planeada, permite vislumbrar um processo de reconstrução de um sector público robusto, que controle nacionalmente áreas estratégicas para o desenvolvimento do país, permitindo guiar o sector privado, uma rede vasta de pequenas e médias empresas, para as áreas de bens ditos transacionáveis, em particular na agricultura e indústria com capacidade de substituir algumas das nossas importações; a ideia constitucional de um sector financeiro ao serviço do desenvolvimento permite-nos vislumbrar um polo bancário público dominante, capaz de dirigir o bem público que é o crédito para uma reindustrialização ambientalmente sustentável, a que aposta, por exemplo, em produzir as componentes das energias renováveis ou os comboios de que o país precisa para expandir a sua rede ferroviária pública; a exigência constitucional de uma política de pleno emprego permite-nos vislumbrar um espaço soberano dotado dos instrumentos de política económica entretanto perdidos e sem os quais este objetivo é uma quimera; a exigência constitucional da redução das desigualdades socioeconómicas e territoriais permite-nos vislumbrar uma comunidade de prosperidade partilhada.
Em plena pandemia, numa curva particularmente apertada História, a CRP indica-nos subversivamente que o poder económico deve estar subordinado ao poder político. O exemplo do Serviço Nacional de Saúde aí está a separar o que nos pode proteger coletivamente do parasitário negócio privado da saúde que nos vulnerabiliza. As urgências climáticas tornarão mais saliente a tensão entre o bem público e a lógica capitalista mais predadora. Neste contexto, a candidatura de João Ferreira dá-nos esperança, porque traça as linhas certas, faz as clivagens nos sítios onde devem ser feitas. O desenvolvimento passa por aqui.
João Rodrigues
Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Mandatário do Concelho de Coimbra da Candidatura de João Ferreira