Os problemas que estão na base da dimensão e impacto dos violentos fogos de Outubro de 2017 permanecem, denunciou Jerónimo de Sousa num encontro com vítimas e especialistas, um dia depois de um seminário em que o PCP lançou pistas sobre o estado da Protecção Civil e o que falta fazer.
A floresta portuguesa não é um problema, mas um extraordinário recurso
O Secretário-geral do PCP interveio no encerramento de uma sessão pública realizada na sexta-feira, 14, na Biblioteca Municipal de Penacova, um dos concelhos mais afectados pelos incêndios que, entre 14 e 16 de Outubro de 2017, devastaram seis distritos da região centroe dois do Norte. Uma calamidade em parte resultante de condições meteorológicas extremas.
Mas se os fenómenos foramextraordinários, o seu impacto deveu-se, em boa medida, a factores que permanecem. Esse foi justamente a matriz sublinhada por Jerónimo de Sousa, para quem «os problemas estruturais estiveram na origem, não dos incêndios, mas da sua dimensão e impactos».
Antes do líder do Partido, muitos foram os que testemunharam que, entre os elementos profundos que agravaram os acontecimentos, pouco ou nada mudou. De viva voz, alguns expressaram também o desalento e a revolta. Não pela perda dosfrutos de uma vida de trabalho esforçado, mas por, até agora, não terem recebido compensações ou apoios ao nível da tragédia e da vontade que conservam de prosseguir adiante.
As comunidades serranas foram, aliás, das mais atingidas, acumulando mais de metade dos hectares de floresta e habitações ardidas, metade das vítimas mortais e parte significativa das empresas e explorações agro-pecuárias consumidas pela pira naquele fatídico Outubro de 2017. O apuramento foi transmitido por Valdimiro Vale, membro da Comissão Política do PCP, que a abrir os trabalhos deu conta das jornadas efectuadas pelo Partido nos últimos cinco anos, feitas de visitas às zonas afectadas, contactos com populações, agricultores, empresários e agentes da protecção civil.
O dirigente comunista criticou, também, a prevalência do baixo preço pago pela madeira (sensivelmente o mesmo há 30 anos) e a compressão do preço de outras madeiras, tornando inviável uma gestão sustentável e múltipla da floresta; a desresponsabilização e desinvestimento dos sucessivos governos na política florestal e a erosão de serviços públicos e infra-estruturas vitais ao mundo rural; o favorecimento dos grupos económicos na expansão do eucaliptal e na pressão que exercem sobre a propriedade comunitária; a carência de apoios à reconstrução de unidades produtivas e modos de vida, bem como de financiamento e sustentação dos corpos de bombeiros voluntários e do aparelho de Protecção Civil em geral.
Revoltante
Estes aspectos foram reforçados no debate que se seguiu, com o docente da Escola Superior Agrária do Politécnico de Coimbra e ex-membro da Comissão Técnica que escrutinou os acontecimentos e respectivos contornos, a lamentar que pouco ou nada de estrutural se tenha destinado a estas importantes matérias, na sequência das conclusões. Sobretudo em matéria de prevenção e organização, meios e métodos de acção do dispositivo de combate aos incêndios, disse, corroborando, de resto, críticas e conclusões dos comunistas no seminário que, no dia anterior (quinta-feira, 13), o PCP promoveu no Centro Europeu Jean Monnet, em Lisboa (ver caixa).
Revoltante é, além do mais, que centenas de milhões de euros tenham sido anunciados para ajudar quem precisava e, por burocracia propositada ou desvio para projectos do capital monopolista, aos pequenos e médios produtores e à reconstrução das suas explorações e casas não tenha chegado o necessário para repor o muito que perderam, como disse Isménio Oliveira, da Confederação Nacional de Agricultura (CNA).
Acresce a culpabilização dos agricultores pelos incêndios e o aprofundamento da orientação de depredação da floresta, quando, na realidade, a actividade daqueles, sobretudo a de cariz familiar, assegura uma protecção natural contra incêndios, como notou João Dinis, da CNA. A prová-lo, lembrou que na noite de 15 para 16 de Outubro, a malha urbana de Oliveira do Hospital só não foi atingida pelas chamas porque existia uma zona de pasto de um produtor de queijo da Serra da Estrela, que serviu de tampão ao avanço do fogo.
Esse produtor sucumbiu e muitos dos que, em seguida, ofereceram o seu testemunho, não contiveram a perturbação e o desespero pelo território ser crescentemente ocupado por culturas destinadas à indústria de pasta de papel, aglomerados de madeira ou energia; por proliferarem mato e espécies invasoras, a par da liquidação da agricultura familiar; pela crescente tentativa de roubo da gestão e propriedade comunitária dos baldios.
Um recurso, não um problema
Ora, a concluir a iniciativa, Jerónimo de Sousa recordou que, logo após os incêndios, o PCP realçou ser necessário «apoiar as vítimas de forma exemplar» e «indispensável mudar de rumo na política de prevenção dos fogos florestais e de defesa da floresta».
«Numa e noutra ficámos a meio gás», assinalou o Secretário-geral do PCP, que detalhando do que se trata quando se fala de resposta insuficiente ou inexistente das ajudas, atribuiu a opções políticas e às «promiscuidades com os interesses económicos» que as formatam, a continuidade dos problemas estruturais.
Jerónimo de Sousa advertiu que «há cinco anos avançou-se à pressa com a chamada Reforma da Floresta». Contudo, «dos diplomas aprovados nessa altura, em matéria de gestão e ordenamento florestal; cadastro da propriedade rústica; reforço da prevenção e defesa da floresta contra incêndios; sapadores florestais; fogo controlado; regime jurídico das ações de arborização e rearborização; centrais de biomassa, já pouco resta», acrescentou, antes de deixar palavras fortes sobre o Pinhal de Leiria.
A Organização Regional de Leiria do PCP emitiu, por estes dias, um comunicado acutilante acerca da situação na Mata Nacional, mas o Secretário-geral procurou sintetizar na ideia de que «o problema nunca foi de ausência de legislação», mas de «meios e determinação, que o Governo do PS não quer dedicar à floresta nacional».
Por concretizar estão medidas como a intervenção no preço das madeiras, tornando-os compensadores para quem produz; um ordenamento florestal alavancado pelo investimento público, articulado com o estímulo aos pequenos proprietários; alargar a gestão das áreas protegidas, reconstruir o Corpo de Guardas Florestais e constituir as equipas de sapadores; apoiar e defender os baldios e dinamizar as Zonas de Intervenção Florestal; valorizar a agricultura familiar e a produção pecuária e revitalizar o mundo rural; cuidar do dispositivo da Proteção Civil, assegurando a comunicação e ligação entre todos os agentes, e dar aos bombeiros, pilar essencial do combate, melhores condições.
«A floresta portuguesa não é, não pode ser um problema do País. A floresta portuguesa, na sua dimensão multifuncional, é um extraordinário recurso», concluiu Jerónimo de Sousa.
Lê aqui algumas das intervenções: